A VÍTIMA DE CRIME E O CÂNONE DO PROCESSO JUSTO

  • Charles Emil Machado Martins
Palavras-chave: Sistema de Justiça. Processual Penal. Modelo Acusatório. Processo justo. Vítima de crime.

Resumo

Esse ensaio objetiva propor refl exões sobre a proteção da vítima de crime em processo
penal. Para tanto, lembra-se da evolução dos modelos históricos de processo, desde o acusatório
até o misto, passando pelo modelo inquisitório. Também se defende que, no cenário luso-brasileiro
atual, é adotado o modelo (rectius, paradigma científi co) “acusatório de natureza publicística”.
Todavia, destaca-se que esse paradigma entrou em crise, em decorrência do inevitável intercâmbio
com o seu contrapolo, o modelo “acusatório de natureza adversarial”, o que está a contribuir para a
modifi cação do entendimento a respeito dos interesses da vítima. Por fi m, defende-se que, independentemente
do modelo acusatório escolhido por uma determinada nação, no Estado Democrático
de Direito sempre se deve observar o cânone do processo justo. Dessarte, as críticas doutrinárias
à proteção e à participação da vítima devem dirigir seus esforços a responder questões
relativas a como atender os interesses da vítima no processo penal, preservando a sua natureza
publicística e o seu propósito garantístico.

Referências

AGRA, Cândido. da. A Epistéme das Ciências Criminais: Exercício empírico-teórico. In: ANDRADE,
Manuel da Costa; ANTUNES, Maria João; SOUZA, Susana Aires de. Estudos em Homenagem
ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias. Coimbra: Coimbra Ed., 2009.
ALEMANHA. BVerfG, decisão de 15 de janeiro de 2020 da Segunda Câmara do Segundo Senado,
Az. 2 BvR 1763/16. Disponível em: 115_2bvr176316.html>. Acesso em: 10 jul. 2021.
ALMEIDA JR., João Mendes. O processo criminal brasileiro. 2. ed. v. I. Rio de Janeiro: Francisco
Alves & Cia, 1911.
ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de. Ação penal (análise e confrontos). São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1938.
AMBOS, Kai; LIMA, Marcellus Polastri. O Processo Acusatório e a Vedação Probatória. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
ANDRADE, Mauro Fonseca. Sistemas processuais penais e seus princípios reitores. Porto Alegre:
Juruá, 2008.
ANTUNES, Maria João. Direito processual penal. Coimbra: Almedina, 2017.
ARMENTA DEU, Teresa. Beyond accusatorial or inquisitorial systems. In: AMBOS, Kai;
ACKERMAN, Bruce; SIKIRIC, Hrvoje. (Org.). Visions of justice. Liber Amicorum Mirjan
Damaska. Berlim: Duncker e Humblot, 2016.
BACHMAIER WINTER, Lorena. Acusatorio versus inquisitivo: refl exiones acerca del processo
penal. In: BACHMAIER WINTER, Lorena. (Coord.). Processo penal y sistemas acusatorios.
Madrid: Marcial Pons, 2008.
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O neoprivatismo no processo civil. In: Temas de direito
processual: nona série. São Paulo: Saraiva, 2007.
BRANDALISE, Rodrigo da Silva. Justiça penal negociada: negociação da sentença criminal e
princípios processuais relevantes. Curitiba: Juruá, 2016.
BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº
104.176/RJ. Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 04/05/2021, DJe 14/05/2021.
Disponível em: . Acesso em: 10 jul. 2021.
CÂMARA, Guilherme Costa. Programa de política criminal orientado para a vítima do crime.
Coimbra: Coimbra, 2008.
CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Tratado de Direito Internacional dos Direitos
Humanos. v. III. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003.
CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa Anotada.
v. 1. Coimbra: Coimbra Ed., 2007.
CARIO, Robert. Victimologie: de l’eff raction du lien intersubjectif à la restauration sociale.
Paris: L’Harmattan, 2000.
COSTA, Jose de Faria. A criminalidade em um mundo globalizado: ou o plaidoyer por um direito
penal não-securitário. In: Direito Penal e Globalização. Coimbra: Coimbra Ed., 2010.
DELMAS-MARTY, Mireille. Os grandes sistemas de política criminal. Trad. Denise Radanovic.
Barueri: Manole, 2004.
DELMAS-MARTY, Mireille. Refl ections on the “Hybridisation” of criminal procedure. In:
JACKSON, John; LANGER, Maximo; TILLERS, Peter. (Orgs.). Crime, procedure, and evidence
in a comparative and international context. Essays in honour of Professor Mirjan Damaska.
Portland: Hart Publishing, 2008.
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito processual penal. Coimbra: Coimbra, 1974.
EMSLEY, Clive. Crime and society in England: 1750-1900. 4. ed. Harlow: Pearson Education
Limited, 2010.
ESER, Albin. Sobre la exaltación del bien jurídico a costa de la víctima. Trad. de Manuel
Cancio Meliá. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 1998.
ESPINOLA FILHO, Eduardo. Código de processo penal brasileiro anotado. 3. ed. v. I. Rio de
Janeiro: Borsoi, 1954.
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 3. ed. Trad. Ana Paula Zomer
Sica e outros. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
FERREIRA. Manuel Cavaleiro de. Direito Penal Português. v. I. Lisboa: Verbo, 1982.
FILGUEIRAS JR., Araujo. Código do processo do Império do Brasil. Tomo I. Rio de Janeiro:
Eduardo & Henrique Laemmert Editores, 1874.
FORBES, Emma Elizabeth. Perception and reality: an exploration of domestic abuse victims’
experiences of the criminal justice process in Scotland. 2018. 310 f. Tese (PHD) – Degree of
Doctor of Philosophy (Criminology) – School of Social and Political Sciences, University of
Glasgow, set. 2018.
GALAIN PALERMO, Pablo. La reparación del daño a la víctima y Derecho penal. In: Justicia
restaurativa y sistema penal: ¿cambio de paradigma o nuevas herramientas de la justicia penal?
Montevideo: FDUCU, 2016.
GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio; GOMES, Luiz Flávio. Criminologia. 8. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
GILISSEN, John. Introdução histórica ao Direito. Trad. de A. M. Hespanha; L. M. Macaísta
Malheiros. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1988.
GÖSSEL, Karl Heinz. Lex. Revista de la Facultad de Derecho y Ciencia Política de la Universidad
Alas Peruanas, v. 10, n. 9, 2012, p. 300-301. Disponível em: articulo?codigo=5157793>. Acesso em: 27 dez. 2020.
GRINOVER, Ada Pellegrini. A iniciativa instrutória do juiz no processo penal acusatório. Boletim
do Instituto Manoel Pedro Pimentel, São Paulo, n. 21, 2002.
GÜNTHER, Klaus. Die symbolisch-expressive bedeutung der strafe. In: PRITTWITZ, Cornelius
et. al. (Org.). Festschrift für Klaus Lüderssen. Baden-Baden: Nomos Verlagsgesellschaft, 2002.
HÖRNLE, Tatjana. Determinación de la pena y culpabilidad: notas sobre la teoría de la
determinación de la pena en Alemania. Buenos Aires: Di Placido, 2003.
ILLUMINATI, Giulio. El sistema acusatorio en Italia. In: BACHMAIER WINTER, Lorena.
(Coord.). Proceso penal y sistemas acusatorios. Madrid: Marcial Pons, 2008.
LANGBEIN, John H. The criminal trial before the lawyers. The University of Chicago Law
Review, v. 45, n. 2, 1978.
MAIER, Júlio B. J. Derecho procesal penal. v. I. Buenos Aires: Editores del Puerto, 2003.
MENDES, Paulo de Sousa. Lições de direito processual penal. Coimbra: Almedina, 2014.
MERRYMAN, John Henry. La tradición jurídica romano-canónica. Trad. Carlos Sierra. México:
Fondo de Cultura Económica, 1971.
MOMMSEN, Theodor. El derecho penal romano. Trad. de P. Dorado. Pamplona: Analecta,
2005.
PACELLI, Eugênio de Oliveira. Curso de Processo Penal. 19. ed. rev. São Paulo: Atlas, 2015.
PACKER, Hebert Leslie. The limits of the criminal sanctions. Stanford: Stanford University Press,
1968.
PEREIRA, Frederico Valdez. Fundamentos do justo processo penal convencional. Belo Horizonte:
D’Plácido, 2020.
PEREIRA, Frederico. Valdez. Iniciativa probatória de ofício e o direito ao juiz imparcial no
processo penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014.
PICÓ I JUNOY, Joan. El derecho procesal entre el garantismo y la efi cacia: un debate mal planteado.
Cuestiones Jurídicas, v. VI, n. 1, jan./jun., 2012.
ROXIN, Claus. Derecho procesal penal. 25. ed. Trad. de Gabriela E. Córdoba y Daniel Pastor,
revisada por Julio B. J. Maier. Buenos Aires: Editores del Puerto, 2003.
SANTOS, Cláudia Cruz. A Justiça Restaurativa: um modelo de reação ao crime diferente da
Justiça Penal. Por quê, para quê e como? Coimbra: Coimbra Ed., 2014.
SANTOS, Cláudia. Um crime, dois confl itos (e a questão, revisitada, do “roubo do confl ito” pelo
Estado). Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 71, 2008.
SCHÜNEMANN, Bernd. Der Ausbau der Opferstellung im Strafprozess – Fluch oder Segen?
In: Strafprozessrecht und Strafprozessreform. Berlim: de Gruyter, 2020.
SILVA, Germano Marques da. Algumas notas sobre a consagração dos princípios da legalidade e
da jurisdicionalidade na Constituição da República Portuguesa. In: MIRANDA, Jorge. (Coord.).
Estudos sobre a constituição. v. 2. Lisboa: Petrony, 1978.
SILVA, Germano Marques da. Direito processual penal português. v. I. Lisboa: UCE, 2017.
SPENCER, John. O processo penal na Inglaterra. In: DELMAS-MARTY, Mireille. (Org.). Processo
penal e direitos do homem. Barueri: Manole, 2004.
TARUFFO, Michele. Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos. São Paulo: Marcial
Pons, 2012.
TARUFFO, Michele. Verdad, prueba y motivación en la decisión sobre los hechos. In: Cuadernos
de Divulgación de la Justicia Electoral. México: Tribunal Electoral del Poder Judicial de la
Federación, 2013.
TUCCI, José Rogério. Contribuição ao estudo histórico do direito processual penal: direito
romano I. Rio de Janeiro: Forense, 1983.
TUCCI, Rogério Lauria et al. Princípios e regras orientadoras do novo processo penal brasileiro.
Rio de Janeiro: Forense, 1986.
UNIÃO EUROPEIA. Diretiva 2012/29/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 25 de outubro
de 2012. Estabelece normas mínimas relativas aos direitos, ao apoio e à proteção das vítimas
da criminalidade e que substitui a Decisão-Quadro 2001/220/JAI do Conselho.
ZEHR, Howard. Trocando as lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça restaurativa. Trad.
de Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athena, 2008.
Publicado
15-09-2022
Como Citar
Charles Emil Machado Martins. (2022). A VÍTIMA DE CRIME E O CÂNONE DO PROCESSO JUSTO. Revista Do Ministério Público Do Rio Grande Do Sul , 1(90), 417-434. Recuperado de https://revistadomprs.org.br/index.php/amprs/article/view/259