A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER COMO FORMA DE VIOLÊNCIA BASEADA NO GÊNERO
UM DIÁLOGO COM A SOCIOLOGIA FEMINISTA
Résumé
O presente artigo tem por objetivo analisar como a violência doméstica e familiar contra a mulher (VDFCM), em suas diversas modalidades, constitui uma forma de violência baseada em gênero. Para isso, realizou-se uma análise do referencial teórico feminista das relações de gênero e sua projeção nas relações domésticas e familiares, além de um exame detalhado de cada uma das cinco modalidades de violência previstas no art. 7º da Lei Maria da Penha. A VDFCM está frequentemente associada à exigência de submissão à autoridade masculina e ao controle da sexualidade feminina, sendo psicologicamente internalizada por homens e mulheres por meio de dispositivos de controle. A violência de gênero manifesta-se como um continuum, abrangendo o controle abusivo por meio da violência psicológica, as ofensas morais enquanto tecnologias de poder de gênero, a dominialidade masculina da gestão patrimonial, o castigo físico e a violência sexual, alcançando seu ápice no feminicídio. A compreensão do caráter estrutural da violência de gênero, com representações compartilhadas pelo agressor, pela vítima e pelo tecido social, permite concluir que a VDFCM é uma forma de violência baseada no gênero. Essa constatação independe de debates sobre causas, motivações ou condições pessoais dos envolvidos.
Références
Douglas, Kate Fitz-Gibbon, Leigh Goodmark, and Sandra Walklate (Eds.). Criminalization of
Violence Against Women: comparative perspectives. Nova Iorque: Oxford University Press, 2024.
p. 43-60.
. Violência sexual no ambiente universitário: análise a partir da experiência de uma audiência
pública no Distrito Federal. In: ALMEIDA, Tania Mara Campos de; ZANELLO, Waleska
(Orgs.). Panoramas da violência contra mulheres nas universidades brasileiras e latino-americanas.
Brasília: OAB Ed., 2022. p. 383-414.
; GARCIA, Mariana Badawi. Análise quanto aos diferentes padrões decisórios de medidas
protetivas de urgência nos Juizados de Violência Doméstica do Distrito Federal. Revista do
MPDFT, n. 12, p. 85-133, 2022.
; GRANJA. Gabriel Santana. O golpe de Don Juan: análise da fenomenologia e das respostas
da justiça ao estelionato sentimental. Revista Opinião Jurídica, Fortaleza, v. 22, n. 41, p.
115-146, 2024.
; SOUZA, Renee do Ó. Inconvencionalidade das imunidades patrimoniais no âmbito
da violência doméstica e familiar contra mulher. In: FLACH, Michael Schneider (Org.). Direito
Penal Contemporâneo: Escritos em Homenagem aos 40 Anos da Nova Parte Geral do Código
Penal. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2024. p. 186-199.
; MEDEIROS, Marcela Novais; VIEIRA, Elaine Novaes. Feminicídios e relações de gênero:
análise de confl itos não diretamente relacionados à manutenção do vínculo afetivo. Revista
Direitos Sociais e Políticas Públicas (UNIFAFIBE), Bebedouro, SP, v. 9, n. 3, p. 691-727, 2021.
; ; ; CHAGAS, Cátia Betânia. Fatores de risco de feminicídio no Distrito
Federal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 180, p. 297-328, 2021.
BACCARINI, Mariana Pimenta Oliveira; MINILLO, Xaman Korai; ALVES, Elia Elisa Cia.
Gender Issues in the Ivory Tower of Brazilian IR. Contexto Internacional, v. 41, n. 2, p. 365-
396, 2019.
BANDEIRA, Lourdes Maria. Violência, gênero e poder: múltiplas faces. In: STEVENS, Cristina
et al. (Orgs.). Mulheres e violências: interseccionalidades. Brasília: Technopolitik, 2017. p. 14-
35.
; AMARAL, Marcela. Violência, corpo e sexualidade: um balanço da produção acadêmica
no campo de estudos feministas, gênero e raça/cor/etnia. Revista Brasileira de Sociologia, v. 5,
n. 11, 2017.
BIANCHINI, Alice; ÁVILA, Thiago Pierobom de. Lei n. 14.550/2023: Uma intepretação autêntica
quanto ao dever estatal de proteção às mulheres. Meu Site Jurídico. 2023. Disponível em:
2020.
BORGES, Clara Maria Roman; LEMOS, Alessandra Prezepiorski. Os estupros nas universidades:
uma análise da heteronormalidade e seus mitos. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v.
133, p. 199-218, 2017.
BRASIL. Ministério da Saúde. Viva: instrutivo – notifi cação de violência interpessoal e autoprovocada.
2. ed. Brasília: MS, 2016. Disponível em:
2020.
CAMPOS, Carmen Hein de; MACHADO, Lia Zanotta; NUNES, Jordana Klein; SILVA, Alexandra
dos Reis. Cultura do estupro ou cultura antiestupro? Revista Direito GV, v. 13, n. 3, p.
981-1.006, 2017.
CARMEN, Diana Deere; MAGDALENA, León. De la potestad marital a la violencia económica
y patrimonial en Colombia. Revista de Estudios Socio-Jurídicos, v. 23, n. 1, p. 219-251, 2021.
2020.
CARVALHO, José Raimundo; OLIVEIRA, Victor Hugo de. Pesquisa de Condições Socioeconômicas
e Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher – PCSVDF Mulher: Violência Doméstica
e seu Impacto no Mercado de Trabalho e na Produtividade das Mulheres. Fortaleza: Universidade
Federal do Ceará. 2017. Disponível em:
CERQUEIRA, Daniel; BUENO, Samira. Atlas da violência 2024. Brasília: IPEA; FBSP, 2024.
CHRISTIE, Nils. The Ideal Victim. In: DUGGAN, Marian (Org.). Revisiting the “ideal victim”:
developments in critical victimology. Bristol: Bristol University Press, 2018, p. 11-23.
CIDH. Norte de Centroamérica: Impacto del crimen organizado en Mujeres, niñas y adolescentes.
OEA/Ser.L/V/II. Doc.!9/23, 17 de fevereiro de 2023.
CRENSHAW, Kimberlé. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação
racial relativos ao gênero. Estudos Feministas, n. 10, p. 171-188, 2002.
DEL PRIORE, Mary. Ao sul do corpo: condição feminina e mentalidades no Brasil Colônia. São
Paulo: UNESP, 2009.
DISTRITO FEDERAL. Estatísticas preliminares sobre o crime de violência psicológica: Processo
8191.090801/2022-84. Brasília: MPDFT, 2022.
EIGE – European Institute for Gender Equality. Combating coercive control and psychological
violence against women in the EU member states. 2022. Disponível em:
states>. Acesso em: 27 maio 2020.
FERNANDES, Valéria Diez Scarance; ÁVILA, Thiago Pierobom de; CUNHA, Rogério Sanches.
Violência psicológica contra a mulher: comentários à Lei 14.188/2021. Meu Site Jurídico. 2021.
Disponível em:
FERREIRA, Helder et al. Elucidando a prevalência de estupro no Brasil a partir de diferentes
bases de dados. Texto para discussão. n. 2880. Rio de Janeiro: IPEA, 2023. Disponível em:
2020.
FLORES HERNÁNDEZ, Aurelia; ESPEJEL RODRÍGUEZ, Adelina. Violencia patrimonial de
género en la pequeña propiedad (Tlaxcala, México). El Cotidiano, n. 174, p. 5-17, 2012.
GREGORI, Maria Filomena. Cenas e queixas: um estudo sobre mulheres, relações violentas.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.
HIRIGOYEN, Marie-France. Femmes sous emprise: les ressorts de la violence dans de couple.
Paris: Oh! Ed., 2005.
INSTITUTO AVON. O papel do homem na desconstrução do machismo. São Paulo: Instituto
Avon, 2016. Disponível em:
KELLY, Liz. The Continuum of Sexual Violence. In: HANMER, Jalna; MAYNARD, Mary
(Orgs.). Women, violence and social control. Londres: Macmillan, 1987, p. 46-60.
LEE, David S.; et al. Sexual Violence Prevention. The Prevention Researcher, v. 14, n. 2, 2007,
p. 15-20.
LUDERMIR; Raquel; SOUZA, Flávio de. Moradia, patrimônio e sobrevivência: dilemas explícitos
e silenciados em contextos de violência doméstica contra a mulher. Revista Brasileira de
Estudos Urbanos e Regionais, v. 23, e202126, p. 1-25, 2021.
MACHADO, Lia Zanotta. Violência baseada no gênero e a Lei Maria da Penha. In: BARBOSA,
Thereza Karina de Figueiredo Gaudêncio (Org.). A mulher e a justiça: a violência doméstica sob
a ótica dos direitos humanos. Brasília: AMAGIS, 2016. p. 163-175.
MACHADO, Lia Zanotta; MAGALHÃES, Maria Tereza Bossi. Violência conjugal: os espelhos
e as marcas. In: SUÁREZ, Mireya; Bandeira, Lourdes (Orgs). Violência, Gênero e Crime no
Distrito Federal. Brasília: Paralelo 15/UnB, 1999. p.173-237.
MALDONADO-GARCÍA, Viviana Leonor; ERAZO-ÁLVAREZ, Juan Carlos; POZO-CABRERA,
Enrique Eugenio; NARVÁEZ-ZURITA, Cecilia Ivonne. Violencia económica y patrimonial.
Acceso a una vida libre de violencia a las mujeres. Iustitia Socialis: Revista Arbitrada de Ciencias
Jurídicas, v. 5, n. 8, p. 511-526, 2020.
OMS – Organização Mundial da Saúde; LSHTM – London School of Hygiene and Tropical
Medicine. Preventing intimate partner and sexual violence against women: taking action and
generating evidence. Genebra: OMS, 2010. Disponível em:
PINHEIRO, Carla. Manual de Psicologia Jurídica. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
RAVAZZOLA, Maria Cristina. Histórias infames: maus-tratos nas relações. Buenos Aires: Paidós,
1997.
RIBEMBOIM, Clara Goldman. Referências técnicas para a atuação de psicólogos em programas
de atendimento a mulheres em situação de violência. Brasília: Conselho Federal de Psicologia,
2012. Disponível em:
ROMERO, Teresa Incháustegui. Sociología y política del feminicídio: algunas claves interpretativas
a partir de caso mexicano. Revista Sociedade e Estado, Brasília, DF, v. 29, n. 2, p. 373-400, 2014.
RONDON FILHO, Edson Benedito; KHALIL, Karina Pimentel. Scammers: estelionato sentimental
na internet. Revista Direito e Justiça: Refl exões Sociojurídicas, Santo Ângelo, v. 21, n. 40, p. 43-
57, 2021.
SANTOS, Cecília McDowell; PASINATO, Wania. Violência contra as mulheres e violência de
gênero: notas sobre estudos feministas no Brasil. Revista E.I.A.L. Estudios Interdisciplinarios de
América Latina y el Caribe, Tel Aviv, v. 16, n. 1, p. 147-164, 2005.
SANTOS, Kátia Alexsandra dos; BUGAI, Fernandade Araújo; KARPINSKI, Mônica. “Você é
seu próprio lar”: sobre moradia e violência patrimonial contra mulheres. Revista NUPEM, Campo
Mourão, v. 14, n. 32, p. 100-115, 2022.
SEGATO, Rita Laura. Las estructuras elementales de la violencia: ensayos sobre género entre la
antropología, el psicoanálisis y los derechos humanos. Bernal, Argentina: Universidad Nacional
de Quilmes, 2003.
SEGATO, Rita Laura. Que és Feminicidio: notas para un debate emergente. Série Antropológica
do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília, Brasília, DF, n. 401, 2006.
SILVA, Luciane Lemos da; COELHO, Elza Berger Salema; CAPONI, Sandra Noemi Cucurullo
de. Violência silenciosa: violência psicológica como condição de violência física doméstica.
Interface, v. 11, n. 21, p. 93-103, 2007.
THAPAR-BJÖRKERT, Suruchi; LOTTA, Samelius; SANGHERA, Gurchathen S. Exploring
symbolic violence in the everyday: Misrecognition, condescension, consent and complicity.
Feminist Review, v. 112, n. 1, p. 44-162, 2016.
UNICEF. Hidden in plain sight: a statistical analysis of violence against children. 2014. Disponível
em:
WONDERS, Nancy A. Climate change, the production of gendered insecurity and slow intimate
partner violence. In: K. Fitz-Gibbon et al. (Orgs.). Intimate partner violence, risk and security:
Securing women’s lives in a global world. Londres: Routledge, 2018; p. 34-51.
XIMENES, Angela Virgínia Brito; CAVALCANTI, Vanessa Ribeiro Simon. Descortinando invisibilidades:
violência patrimonial e a fi xação de alimentos para vítimas de violência doméstica.
In: VASCONCELOS, Adaylson Wagner Sousa de (Org.). Direito: ramifi cações, interpretações e
ambiguidades. Ponta Grossa: Atena, 2021. p. 241-253.
ZANELLO, Valeska. Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação.
Curitiba: Appris, 2018.
; GOMES, Tatiana. Xingamentos masculinos: a falência da virilidade e da produtividade.
Caderno Espaço Feminino, v. 23, n. 1/2, p. 263-277, 2010.